Conversas Anônimas 2

Estou descobrindo meus dotes artísticos esse semestre. Estive maravilhado semestre passado com a apresentação do coro sinfônico da Universidade de Brasília e eu tinha que participar nesse. E foi por causa do ensaio dessa semana que eu tive uma estranha e surpreendente conversa com uma desconhecida. Pra que você saiba como eu conheci a Sara,  cujo nome real não é esse, vou ter que explicar primeiro como funciona o Coro.

Toda quinta-feira umas duzentas pessoas se reúnem no anfiteatro 9 para cantar. É maravilhoso. O som do aquecimento que tantas pessoas fazem é simplesmente único. O único fator que dificulta, é o horário. Das 19h, até 22h. Bem tarde - se você considerar que eu moro bem longe da universidade - mas os criadores do coro bolaram um sistema bem amigável e útil para solucionar problemas de distância: caronas comunitárias. 

É bem simples: eu coloco na lista meu nome e o lugar para onde eu quero ir; rodoviária. No intervalo do ensaio, uma senhora cujo nome nunca lembro lê essa lista e pergunta quem pode dar carona. Nessa semana, eu era o segundo da lista. Um cubano era o primeiro. Uma bela mulher levantou-se lá na frente, perto do palco. Ela tinha cabelo com tonalidade entre castanho e loiro (às meninas que sabem essa cor, eu ficaria muito feliz se você pudesse me ajudar a enriquecer meu vocabulário) e seu rosto tem um delicado formato de cone. Deve ter no máximo, 55 anos. Como eu era o próximo da lista, iríamos eu e o cubano com ela.

O ensaio terminou e lá fui atrás da minha carona. (Por favor, esqueça-se do nome dela. Nessa hora eu ainda não sabia) Esperei um pouco, até que ela terminasse de falar alguma coisa com a pianista. Quando chegou perto de mim, já falou logo "Rodoviária!", e pus me a rir. Fomos para o estacionamento eu e ela; o cubano havia sumido. No caminho, ela me disse que seu filho, estudou na escola de música com a pianista do coro.  Entrei no carro grande. Algum offroad da Kia. E ela começou então uma longa e cansativa narrativa sobre a história de vida do seu filho.

Spike, é assim que vou chamá-lo, sempre foi estimulado pela mãe musicalmente. Desde tenra idade, ela já cantarolava cantigas e colocava pequenos instrumentos, como um chocalho perto dele. Um dia, quando estava com a babá, um surto sonoro surgiu no garoto e aos dois anos, conseguia cantarolar uma cantiga da qual não me lembro agora. 

Ela o apresentou a vários instrumentos e aos quatro, resolveu levá-lo a uma professora de piano, para que ele fosse avaliado se já era hora de começar a aprender. Bem, como eu imaginava, era sim a hora dele começar as aulas. A mãe lhe comprou um bom piano.

Depois de uns anos, ele quis ir para cordas. Sua mãe lhe deu um cello. Mas ele queria um violino. Deu um também. Ele era um talento nato. E ela me contou várias histórias de suas proezas com instrumentos e eu não estava nem um pouco interessado. 

Quando estávamos perto da rodoviária, perguntei o nome dela. Sara. E resolvi perguntar quantos anos Spike tinha. "22." disse. Mas a informação mais importante, que se talvez fosse dita alguns minutos antes, mudaria os rumos da nossa conversa veio em seguida: Spike é cego.

Taí o preconceito denovo, e talvez, seja um aviso de que tenho que parar para ouvir o que as pessoas têm a dizer, mesmo que seja sobre uma outra pessoa da qual eu nem faço ideia de quem seja, ou mesmo falar das histórias estranhas da vida do cachorrinho preto que saiu correndo na rua... Bem, vou tentar da próxima vez não tentar julgar alguém que tem algo para falar.

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Engraçado... Nesse mesmo dia eu tive a Conversa Anônima 3 (eu comecei a contar, veja só), mas estou com tanto sono, que resolvi escrever amanhã pela manhã. Na verdade não é bem anônima, mas como foi em um ônibus, e acredito que todas as oito pessoas que estavam a nossa volta, participaram da conversa sobre mentes fracas femininas e pontos de fraqueza como forma de arranjar gatinhas. A moça que estava bem do meu lado ouvia atentamente cada absurdo que falávamos... Deve ter sido engraçado! Até lá!

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