Escalando Nuvens




Já fazia muito tempo desde que Emily não fazia nada diferente. O estresse causado por faculdade, trabalho e curso lhe esgotava, e a única atividade extra que lhe dava prazer e ela conseguia arranjar tempo era ficar olhando para as nuvens de um céu bem bonito. Ela sabia diferenciar com propriedade todos os tipos de condensação ou liquefação suspensos na atmosfera, pois ainda lembrava cada detalhe da aula de geografia na quinta série.

As coisas começaram a ficar complicadas quando Emily se tocou de que bastava ela parar de pensar no mundo e suas cidades movimentadas que ela voava. Era simples: ela ia para um gramado, deitava, respirava e dois segundos depois, voava. Simples assim. 

Na primeira vez, ela nem tinha percebido que não estava tocando o chão e, quando percebeu, voltou ao chão fazendo um baque surdo, como o de jaca caindo madura no chão. O susto foi tão grande, que ela não se permitiu relaxar tanto. Ela concluiu que tudo não passou de um sonho acordado, mas ficou por dois dias sem dormir direito, sonhando que caia de um prédio eterno...

Duas semanas depois ela já sabia voar com habilidade: apenas com a força do pensamento ela conseguia desviar de árvores e pequenas construções, mas nunca voava mais alto que dois pavimentos: ela morria de medo de altura, e além do mais, não tinha certeza se conseguiria pousar com tanta fluidez como era para decolar. Prometeu que nunca tentaria voar a grandes altitudes...

Dias depois Emily estava na beirada de um prédio esperando pelo momento certo para pular. Planejou que agarraria o primeiro rabo de nuvem que ali passasse, a escalaria até a altura que desejasse, para lá de cima brincar de ficar olhando a Terra e adivinhar o que está acontecendo no mundo em miniatura.  Mas já passava de quinze minutos que nenhum rabo de nuvem se engaçava com a menina. Ela esperava que uma nuvem chegasse perto suficientemente para ela poder agarrar com a mão. 

Sem desaminar, a menina esperou por mais dez minutos, até que uma grande e misteriosa nuvem passou por ela. O ar frio instantâneo fez com que os pelos da nuca de Emily eriçassem, a deixando ansiosa. Naquele mesmo momento ela pôde se imaginar espatifando no chão, onde toda a cidade passava apressada. Respirou fundo espantou os pensamentos obscuros fechando os olhos e prestando atenção nos sons ao redor.  

Lá embaixo, uma mulher vê a garota em pé, na beirada de um prédio com os braços abertos. A senhora assustada grita, e aponta para a imagem da louca, borrada pela branquidão de uma nuvem que resolveu passar ali bem na hora. Segundos depois, 20 pessoas já se acotovelavam do outro lado da rua. Um rapaz que trabalhava na rua vendendo bijuterias chamou os bombeiros, que colocaram um grande colchão inflável no chão, na beirada do prédio. A polícia cercou o quarteirão. Uma agente para negociação começou a subir ao terraço. Emily permanecia imóvel: o único movimento visto era o do seu cabelo e vestido, que sacudiam freneticamente com o vento.

A mulher com colete preto chegou ao terraço rapidamente, mas antes que ela dissesse uma palavra, Emily pulou. 

Uma mulher gritou lá longe. Os bombeiros cerraram as mãos em seus chapéus. O operador do colchão aumentou o volume de ar que entrava no grande plástico azul. O cameraman do canal de tragédia focou o colchão. Mas nada aconteceu. O silêncio reinou. 

Lá longe, Emily escalava a nuvem que aceitou dar uma carona, e se acabava de rir da cara das pessoas que esperavam ver algum tipo de tragédia...

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