História que seria notícia no Jornal Nacional...


Entrei na livraria. Era manhã de terça-feira e meu dia estava maravilhoso: só teria de ir pra Veraneio na parte da tarde e como teria a manhã livre, aproveitei para pesquisar um livro sobre sexualidade para uma amiga médica. Perguntei – muitíssimo envergonhado – para a atendente detrás do balcão se ela tinha o título que eu procurava; A jovem mulher olhou dentro dos meus olhos, digitou alguma coisa no computador e me informou que todos os livros estavam no estoque. Ela pegou o telefone e falou para alguém trazer e completou com "O senhor aguarda só um pouquinho, tá?". "Ok.", respondi indo esperar perto da vitrine da loja. 

Naquela hora, eu poderia dizer um rápido obrigado, dizer que voltaria mais tarde, mas não foi isso o que eu fiz, infelizmente.  Enquanto eu andava dentro da loja, um livro azul com quadradinhos brancos e título em letras vermelhas me prendeu a atenção. Se eu soubesse o que aconteceria, eu teria contado com um cronômetro os dois minutos que se seguiram antes que três homens mal-encarados entrassem na livraria armados até os dentes.

“Todo mundo deitado no chão! Todo mundo deitado no chão!” Repetia várias vezes um deles, o mais enérgico e ativo – devia ser o chefe do bando. “Se todo mundo cooperar, todos vamos sair daqui felizes e rapidinho!” Ele apontava a armas que carregava para todo mundo e nos acompanhava com olhar atento enquanto íamos encontrando nosso lugarzinho no chão da livraria.

Não sei se é destino – se eu acreditasse nisso – mas havia um policial que passou em frente a loja naquela mesma hora e, não sei também o que um policial à paisana deve fazer numa situação como aquela em que nos encontrávamos, mas acho que aquele senhor não sabia o que estava fazendo.

Ele pulou na frente da porta e gritou “Mãos ao alto!” para os assaltantes. Todos já sabiam o que aconteceria e aquelas foram as últimas palavras do policial.

Todo furado o corpo dele caiu no chão, já sem vida. Uma senhora que estava perto de mim desmaiou. Pra falar a verdade, foi nessa hora que eu parei pra verificar quantos éramos. Como eu estava perto da saída, tive que me virar para poder olhar melhor o interior da loja.  Éramos seis, já contando os funcionários da loja. Enquanto isso, os bandidos procuravam por alguma coisa no caixa. Acho que era dinheiro. 

O motivo da minha incerteza era que estava bem claro para todo mundo que não havia dinheiro na livraria. Era manhã de terça-feira – vamos combinar que a livraria não era das maiores, melhores ou mais famosas – e eu não conseguia julgar apenas olhando para as pessoas ali se elas tinham dinheiro ou não.  O que eles estavam procurando?

Olhei para os assaltantes . Só havia dois. Tenho certeza de que eram três. Onde estava o outro?  Procurei com os olhos, me esforçando para não levantar demais a cabeça – sabe-se lá quantos tiros eu levaria se eles me vissem bisbilhotando – e notei que havia um escritório nos fundos da livraria com gente lá dentro. O terceiro devia estar lá.

O assaltante chefe percebeu o que eu estava fazendo. “Ei você!” ele gritou para mim e eu travei. “O que que você tá olhando? Cola a porra dessa sua cara no chão se não quiser acabar igual o policial alí.” Ele chegou perto de mim e, abaixando-se, encostou o cano do revolver na minha cabeça falando só pra eu ouvir: “É melhor você ficar...”

Antes que ele terminasse a ameaça ouvi o estampido forte de um tiro e segundos depois, outro. Pensei que era pra mim, que minha hora havia chegado, mas eu ainda respirava e não sentia dor, conclui que estava vivo. O homem que me ameaçava se levantou resmungando “Merda!” e saiu de perto de mim, indo na direção do escritório.

Os barulhos dos tiros que mataram o policial, eu acho, alarmou os vendedores das lojas adjacentes e eles chamaram a polícia, que chegou fazendo barulho e surpreendentemente rápido. E agradeci a Deus que ela não demorou. Virei o rosto para a porta e vi que homens vestindo roupa de guerra cercavam a porta da loja e gritaram algo que eu não me lembro agora. O chefe gritou de volta dizendo que se alguém entrasse na loja, nós – os reféns – morreríamos.

Foi nessa hora que o terceiro assaltante saiu do escritório cambaleando, a roupa toda manchada com sangue.

“O que aconteceu!?” O chefe perguntava, mantendo-se perto de mim. Eu era o refém mais próximo da porta.

“A vadia não esta...va com as pedras.” Ele disse com dificuldade. Aquele homem não estava nada bem, estava para morrer. 

“E aí você tentou atirar nela que com certeza tomou a arma de você e agora você taí morrendo.” O chefe estava irritado. Um segundo de silêncio se seguiu. Eu estava tremendo. “Vamos embora daqui!”

“Mas como?” Perguntou um dos assaltantes enquanto apontava para fora da livraria, claramente preocupado com a presença da polícia.

“Cada um de nós levando um refém.” Ele disse. 

Senti um arrepio na minha coluna.

Eles perguntaram ironicamente se algum de nós se voluntariava. Claro que ninguém se levantou – ou moveu um músculo. Foi quando senti um puxão  pela minha camisa. Eu havia sido escolhido como o primeiro escudo humano.

Mal sei como minhas pernas me aguentaram em pé quando o homem me levantou. Queria ter desmaiado como a velhinha e estar ignorante àquela situação. Queria ter saído da loja. Queria morar em Veraneio. Lá sim é seguro. Ouvi barulho de helicóptero. Caminhar até o carro que eles falaram que estava na rua  não seria fácil.

Atravessamos a porta e ví o que estava acontecendo na rua: os policiais haviam isolado a rua e dezenas de pessoas se acotovelavam para ver o que estava acontecendo. Eu sabia que não era possível ter atiradores de elite porque o prédio da frente não tinha janelas e era bem alto. O bandido falava alguma coisa pra mim. O helicóptero era de TV e aproveitava a brecha entre os prédios para nos filmar. Imaginei meu rosto na tela da televisão e minha mãe desesperada. Um policial falou usando um megafone algo que eu não consegui entender e o chefe da quadrilha que me empurrava para descer a rua gritou alguma coisa de volta. Eu não conseguia entender uma palavra do que era falado. Tudo pra mim era imagem – o som era alguma coisa que apenas preenchia o ambiente, sem significado algum. Eu era um ser humano marionete, tão grande era o medo que se apoderava de mim. 

Foi aí que eu fiz a última coisa que alguém poderia fazer: corri, e de repente o mundo entrou em câmera lenta... Enquanto eu corria, o assaltante ficou sem proteção e antes que ele pudesse atirar em mim, um dos policiais atirou nele primeiro. Olhei para trás e ví o homem cair com uma careta. Corri mais ainda. Ouvi mais tiros. Quando cheguei ao outro lado da rua, sem mais delongas, caí no chão e desmaiei.

Acordei com a minha amiga chamando meu nome e dando leves tapas no meu rosto. Eu estava tonto e percebi que dois paramédico me examinavam. A medida que fui recuperando a consciência, vi que havia mais gente ao meu redor. Todos estavam com feições preocupadíssimas.

“E os assaltantes?” Perguntei, esperando ouvir que todo mundo tinha morrido e que balas perdidas tinham atingido várias das pessoas que acompanhavam a ação policial. 

“Não tem assaltantes, Thiago...” Minha amiga começou com a voz calma. “Foi tudo uma armação, uma brincadeira!”

“E o policial baleado?” Perguntei, com a raiva substituindo o medo.

“Ator.” Ela disse.

“E a velhinha infartada?” Perguntei com raiva.

“Atriz.”

“Eu te odeio, cara!” E ao dizer isso, respirei profundamente, expressei dor no meu rosto apertei o peito como num infarto e fingi desmaiar. E enquanto jogado no chão, pude ver a movimentação da equipe do programa de televisão se agitar pensando que eu havia morrido. Era eu quem comandava a pegadinha agora...

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