Jorge, o assaltante


Jorge saiu tarde do escritório e entrou no ônibus sentindo-se tão cansado que nem olhou os seus três celulares, procurando por notificações; encostou a cabeça no apoio do banco e fechou os olhos. Depois do que pareceu durar uma piscada de olhos, o ônibus caiu num buraco e Jorge acordou, sentindo dores no pescoço e nas costas.
Já num sou tão resistente como antes mermopensou. Deve ser aquela merda de escritório que tá me matando. Jorge tinha 57 anos, mas a vida exaustiva lhe dava aparência de 70, e a barriga protuberante informava que ele não cuidava muito do que comia. Fazia a barba branca uma ou duas vezes por semana, mantendo-a por fazer o tempo todo. E sempre vestia camisas lisas de cores berrantes sem colocá-las para dentro da calça jeans azul que usava. Naquela noite a cor da camisa era amarela.
Desceu na parada a 400 metros da sua casa e olhou as horas: eram 23:30h e ele sabia que deveria apressar o passo para não ser vítima de nenhum trombadinha desocupado. Ao completar os primeiros 100 metros (ele verificava a distância contando seus passos) Jorge avistou dois moleques que ele nunca havia visto na vizinhança encostados no muro de uma casa a 50 passos de onde ele estava. E não, ele não resolveu voltar e pegar outro caminho. Pôs a mão no bolso da calça jeans, protegeu os celulares e seguiu em frente.  
A 20 passos dos garotos, eles saíram do muro e caminharam em sua direção.
– E ae, vovô! – disse um deles, vestindo moletom preto e blusa de frio, que cobria a sua cabeça. Jorge tentou ignorar e seguir seu caminho, mas foi impedido pelo segundo meliante que colocou-se em sua frente.
– Pass’tudo qu’o sinhô tivé-í nus bolso! – foi a ordem do analfabeto audacioso.
Jorge procurou por alguma arma nas mãos dos garotos e não viu nenhuma à mostra. Pensou no trabalho que daria se perdesse aqueles celulares... Nos números de clientes perdidos, nas fotos proibidas... Verificou rapidamente o restante de rua que lhe faltava percorrer e pensou em sair correndo, mas sabia que não chegaria nem na metade do caminho sem infartar antes. Apertou os celulares e respirou fundo.
– Qui qui é, mermão? – Jorge falou alto, intimidando. O analfabeto na sua frente esboçou um sorriso e começou a tirar algo de dentro do short que usava. Jorge puxou os celulares do bolso instintivamente e mostrou para os bandidos. – Porra! Tá quereno tirar meu sustento, porra?
– Ixi, foi mal ae, veio! – O primeiro, evidentemente o mais inteligente, era quem falava pela dupla. ­– Tu tava era robano! Bem tem cara mesmo! Ségui teu caminho ae, vovô!
E Jorge chegou em casa, com uma história que ninguém acreditaria...