Sobre Amor, filmes românticos e outras coisas


César sempre viu os filmes românticos como sendo uma grande mentira. Ele nunca conseguia conceber como a menina rica poderia arriscar tudo que tinha para se entregar a uma paixão por um plebeu nos aposentos pobres do navio. Ou como um cara largaria toda a sua carreira de futebol para investir no amor que sente por uma moça. Ou uma mulher largaria sua vida na cidade para viver ao lado de um homem semi-selvagem que fala com animais e se locomove pulando de cipó em cipó (essa vale para um ogro verde). Ou o contrário: uma mulher semi-selvagem que larga sua vida na floresta e vai viver a vida ao lado do seu amor numa cidade da Idade Média e pulando de baile em baile.
César nunca conseguiu entender como o amor poderia fazer as pessoas largarem tudo o que construíram em nome do amor que sente por alguém, e sempre se perguntava como a pessoa que abria mão da sua vida lidava com o fato de ter de recomeçar a juntar os blocos incompletos da sua vida em nome do amor que sente por alguém? O que é esse tal de amor que arrebata os corações e faz as pessoas tomarem decisões tão loucas?
Talvez ele se perguntasse o que levou sua avó a largar sua família branca-quase-rica em uma cidade quase-histórica para se casar com um homem negro-quase pobre em uma cidade super-nova e perder quase que completamente o contato com sua família que não apoiava a união? Ou os seus pais que passaram pelo inverso: um homem branco-quase pobre que pediu a mulher negra-pobre cuja família apenas achava que o tal homem branco-quase pobre queria apenas sexo e no dia antes do casamento prenderam a noiva em um quarto coagindo-a a desistir da cerimônia? (Ainda bem que ela não desistiu, ou César não existiria!)
A verdade é que exemplos desse tal amor não faltavam e, para César, que nunca acreditou que as narrativas românticas eram reais, o choque de realidade lhe torcia o cérebro, já que ele tentava processar as dinâmicas dos relacionamentos amorosos pela dinâmica lógica. Para ele era simples: se duas pessoas se gostavam e tinham interesses em comum elas se juntariam (em um casamento ou não) e começariam uma família. O que as pessoas chamariam de amor ele chamaria de uma união de afeto mútuo e respeitoso. Quando um do casal iria contra toda a família em um casamento que todos sabem que seria abusivo, insistindo em ir contra todos os alertas de amigos e acabando vivendo uma vida de merda, César achava a decisão algo extremamente estúpido. Se os interesses fossem conflituosos, não haveria motivo para prolongar a relação. Foi assim que ele lidou com boa parte dos relacionamentos que teve.
E sim, há um problema no parágrafo anterior, pois ao mesmo tempo em que César tinha exemplos de uniões amorosas bem-sucedidas, também havia exemplos de uniões completamente desastrosas, mas ele ainda assim não conseguia entender a força que um amor arrebatador tinha. E não entendia como as pessoas podiam sofrer “por amor”. Até que um belo dia ele conheceu ele.
César nunca gostou de aplicativos de encontro porque achava que as pessoas precisavam de algo mais do que uma vitrine de corpos para poder conhecer alguém. Para ele, querer conversar com alguém baseado na sua aparência era algo abominável e que não representava a realidade de se conhecer uma pessoa. Mas mesmo assim ele instalou um aplicativo (iria viajar para um outro país em breve e por que não?). Começando a deslizar rostos para a direita logo em seguida. César nunca se considerou bonito, mas publicou duas ou três fotos em que considerava estar apresentável e logo conseguiu conversar com alguns carinhas. Mas um deles particularmente lhe chamou a atenção: A primeira foto do perfil era esse menino de pé na frente de uma cerca-viva quase sem cor com um sorriso impecável, a boca cheia de dentes formando um sorriso tão sincero e tão cativante que César deslizou o dedo para a direita torcendo para que uma combinação acontecesse. E aconteceu. Súbita palpitação lhe ocorreu quando ele clicou no botão “conversar” e o chat se abriu, o tempo correndo para ele chamar atenção do menino. Ele precisava ser assertivo, mas não tão direto. Algo lhe dizia que aquele menino era legal. Mandou apenas... “oi menino do sorriso bonito! ”
O que aconteceu a seguir César diria que poderia estar em um filme românticos que ele considerava uma grande mentira: Depois de alguns dias conversando online, os dois se encontraram e como duas peças de um quebra-cabeças que se procuram, encaixaram rapidamente e tiveram o mês mais intenso de suas vidas. Um mês e meio, para ser sincero. A intensidade foi tamanha que com o tempo, os dois começaram a sofrer pelos meses que passariam distantes.
César ficou arrasado. Chorava sozinho, tentando não demonstrar o quanto estava apaixonado e falhando grandemente na tarefa. O que pensava era apenas em como que eles ficaram tão próximos, tão íntimos em tão pouco tempo e como sofrem tanto por se separarem. Como duas pessoas que mal se conhecem podem se prender de forma tão intensa, tão rápida e tão mútua? Foi nesse momento que César pensou em desistir do sonho do intercâmbio. Demorara muito tempo para encontrar alguém legal e estava considerando não ir mais. De repente, todos os filmes de “loucuras de amor” começavam a fazer sentido e César nunca mais seria o mesmo.
A verdade é que todos sabem que César foi na sua viagem, mas poucos sabem o tanto que ele sofreu. Poucos sabem as lágrimas que ele derramou nos ombros dele e no travesseiro de seu quarto e na sala de embarque e no banco do avião. Poucos sabem do vazio que ele sentiu por ele não estar na despedida no aeroporto. Poucos ou quase ninguém sabe (até agora) que ele sentia falta da sua família, mas chorava por ele. Poucos sabem que ele chorou os primeiros 4 dias sem comer ou sair de casa na nova cidade por estar deprimido e de coração partido. Poucos sabem que ele jogava algum jogo no computador para passar o tempo mais rápido e dar a hora de dormir. Poucos sabem que era difícil sair na rua por não conhecer ninguém. Poucos sabem o tanto que ele se sentiu sozinho isolado em um apartamento no meio de uma cidade desconhecida que ele não sabia falar a língua local. Poucos sabem o que é ter um amor a 14 mil quilômetros de distância e saber o peso que cada quilômetro tem quando se está distante de alguém. Poucos sabem que César achou que perdia literalmente “o amor de sua vida”.
Mas se as histórias românticas sempre têm que ter um final feliz e emocionalmente satisfatório, os dois nunca deixaram de se falar. Por seis meses, ele era a primeira mensagem de César ao acordar e a última ao ir dormir. Por seis meses, ele sentiu falta daquela boca cheia de dentes. Por seis meses eles mantiveram contato e veio de dele o primeiro abraço no Brasil. Abraço que virou um beijo e que se repete até hoje.
César continua a achar que filmes românticos são uma grande mentira, mas agora ele vive o próprio amor, mais real e intenso do que nunca.




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