Sobre mostrar uma realidade e a nossa existência online


Não sei muito bem quem eu sou, mas existo no mundo. Tenho consciência da minha presença aqui e de outros (a minha vizinha fumante e o mecânico do outro lado da rua, por exemplo). Existo diferente quando não estou com a cara enfiada em uma tela, as informações abundantes me distraem nesse mundo que nós criamos. E mesmo tão complexo, esse mundo de eletricidade, luzes e imediatismo não consegue acompanhar meu ritmo. Ou será que eu não consigo?

É estranho como as telas me colocam em um estado de agitação. Tudo é muito rápido e pouca coisa permanece após findada a existência. Ainda não existimos na internet e no mundo digital. Talvez essas coisa sejam só a nossa projeção, a forma como nossa mente se expressa, caótica e instantânea. Talvez seja o pensamento humano, aqui considerado único, composto na pluralidade. Retornando à primeira questão, percebo que existe um certo conflito na coexistência dessas realidades. Enquanto uma exige nosso constante engajamento, a outra simplesmente existe. Se parássemos todos de alimentar a rede, ela deixaria de existir e restaria o mundo, planeta Terra para a interação. 

Nesse planeta, as coisas acontecem e viram memória. Na rede existem os registros das coisas que acontecem. Só agora estamos começando a entender como as coisas podem acontecer em tempo real pela internet. É talvez o momento em que nossos avatares digitais finalmente começarão a representar quem a gente é de verdade. 


Não sei se as redes sociais sobreviverão por muito tempo, mas hoje em dia, não ter Whatsapp, por exemplo, é abrir mão de se comunicar com muita gente. Fora das redes sociais nos distanciamos das pessoas e nos alienamos. Qual o meio termo?

Sobre mostrar as imagens da nossa realidade

Há ainda a questão das imagens, que são hoje a forma mais usual de comunicação. Fazemos capturas das nossas realidades que antes eram para eternizar e hoje se acumulam nos cartões de memória e backups online. Será que a popularização das chamadas de vídeo vai diminuir a quantidade de fotos que a gente gera?

As fotos são incapazes de expressar o que nossos olhos olham e ainda assim, insistimos em fotografar um prato de comida para expôr em nosso mural. De onde surgiu a necessidade de compartilhar o que veem nossos olhos? Será que isso ajuda ou atrapalha a nossa persona virtual? Será que dá pra saber quem somos olhando a nossa galeria de fotos? E se a gente fotografa tudo apenas por fotografar, para depois esquecer em backups, por que fotografamos? Por que a gente fotografa paisagens, bichos e comidas? Qual o propósito de termos super câmeras em nossos bolsos se elas servem apenas para registrar? E se as redes sociais servem de outlets para esses registros, temos então a banalização do registro fotográfico, que só quer mostrar, e não contar uma história. Se nosso olhar é abrangente e multisensorial, a instantaneidade das redes hoje não é capaz de representar a complexidade das nossas realidades. 

O imediatismo da vontade de mostrar dos dias de hoje é desfavorável às narrativas, independentes por natureza. Temos então uma superexposição de imagens mostram realidades distintas, como testemunhos que alguém faz e quer mostrar. Mostrar, nesse caso, exige a presença da narração que vemos hoje em dia na forma de legendas, principalmente em quem posta pouco nas redes. As histórias mostradas, para fazer sentido e conectar com outras pessoas, precisam ser explicadas. Do contrário, viram apenas registros. 

As pessoas que seguem um padrão de postagens no feed do Instagram, por exemplo, costumam postar fotos que seguem a mesma ideia, o mesmo padrão. Quando os registros seguem uma linha proposital, percebe-se o esforço do usuário em contar algo por meio daquelas imagens. Essa é a característica dos perfis mais famosos: seguem uma linha editorial. Como repetição cria um padrão, sucesso hoje nas redes significa produzir um grande volume de fotos dentro da mesma prática. Além de não ter uma narrativa, os feeds tendem a limitar nossa existência online quando somos instigados a ter um padrão de postagens para alcançar um público maior. 

A dinâmica de postagem e consumo das imagens da plataforma Instagram não favorece a criação de narrativas fotográficas, nem da nossa narrativa pessoal através das imagens. Essa plataforma permite mostrar as suas realidades e, apesar de poderoso, todo mundo se expondo na rede, na verdade, demonstra que estamos todos seguindo o mesmo padrão: apenas mostrar, cada um utilizando critérios próprios. Por mais a gente insista em ter uma linha editorial própria, na verdade estamos todos inseridos na mesma prática social e questiono aqui: Será que estamos mesmo escolhendo os nossos critérios de postagem ou só escolhemos entre os já existentes? 

Presença online?

Ficamos presos na construção da nossa presença online ao invés de só estar presente. Será que os Stories, efêmeros como nós, têm potencial de representar nossa existência online ou só refletem nossas experiências no mundo Terra?  Será que plataformas como o Facebook são mais eficazes em dizer quem somos? 

E aqui, proponho um último questionamento: se, como disse Barthes, as imagens são fixas e nós, mutáveis, que pensar quando observamos que nossa presença online é toda baseada em registros do passado? Será que existe mesmo um "eu" online ou temos aqui uma limitação técnico-social ainda não superada? A pergunta já antiga "Quem sou eu?" contrasta (e muito) com essa nova: "Quem eu fui hoje na internet?"




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